quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

o homem que juntou os fios



Muitos chamam-lhe o “pai da rádio” e têm toda a razão. José Tomé dos Anjos tinha 34 anos quando o António Pereira começou a propor-lhe que fizessem uma rádio em Castro Verde. “Ele foi sempre o mais inquieto com esta ideia”, conta Tomé, que lembra o facto de nada ter sido planeado – “Foi tudo espontâneo”, assegura.
Passados 15 anos a Rádio Castrense está implantada no terreno. Cresceu, afirmou-se e nada é comparável a esses tempos de um velho gira discos e um microfone, no sótão da residência do José Tomé. Ele próprio, mais maduro e mais velho, quase a completar meio século de vida.
Tudo começou quando o jovem técnico se ofereceu para construir um emissor artesanal. António Pereira comprou as peças em Lisboa e não demorou muito que o equipamento improvisado estivesse pronto a emitir. “A primeira coisa que fizemos foi tentar perceber se as pessoas de Castro queriam ter uma rádio”, afirma José Tomé.
Assim se explica o apelo feito em directo, pela voz do “surpreendido” Joaquim Rosa, que leu o curto comunicado a mobilizar mais interessados no projecto.
No dia seguinte, o sótão encheu-se! A maior parte dos que apareceram deram corpo à CORTIÇOL alguns meses depois. E ficaram até hoje. José Tomé confessa que sempre pensou que aquilo “era uma brincadeira” mas a verdade é que, uma semana depois, percebeu que não era bem assim: “Não demorou muito tempo para o ICP – Instituto das Comunicações de Portugal vir bater-me à porta, a pedir responsabilidades”, lembra.
Seja como for, Tomé está convencido que quem impulsionou verdadeiramente a rádio foram as pessoas de Castro Verde. “Agarraram muito bem a ideia e acarinharam-na com toda a sua força. A rádio tornou-se uma coisa muito querida para os castrenses”, afirma.
Tanto que o primeiro emissor “a sério” foi comprado com o dinheiro de muitos apoios concedidos pela população. Daí para cá a história não parou! A nova telefonia mudou do sótão para a oficina do Tomé e da oficina para os antigos estaleiros da obra do Bairro da Coophecave, entretanto adaptados para o efeito.
A rádio era um corrupio de gente! Jovens com “braçadas” de discos e a cabeça a fervilhar para imitar os ídolos da Comercial. Menos jovens a lerem notícias recortadas dos jornais. Programas de debate, discos pedidos e os primeiros passos do “Património” marcavam uma grelha com duração entre as seis da tarde e a meia-noite.
Até que Cavaco Silva quis pôr em ordem as rádios piratas e mandou parar todas as emissões na véspera de Natal de 1988. A Rádio Castrense organizou nesse dia uma grande emissão ao vivo, na Escola Secundária de Castro Verde. “À meia-noite fui eu que anunciei o fecho e custou-me muito. Lembro-me que chorei”, confidencia José Tomé
Foi exactamente nessa emissão que, numa entrevista conduzida por José Francisco Colaço Guerreiro e Constantino Piçarra, o presidente da Câmara de Castro Verde, Fernando Caeiros, “comprometeu-se a criar novas instalações para a rádio”, caso fosse legalizada.
Foi essa a etapa seguinte. Naquela altura, “muitos disseram que seria impossível”. “Perante as exigências, eu e o Carlos Peres fomos os que lutámos mais para que a rádio avançasse para a legalização. Tivemos mais garra e convencemos os outros”, conta.
José Tomé encarregou-se de entregar o projecto em Lisboa e lembra-se que faltava pouco para o fim do prazo quando ainda estava com um cunhado, na Rank Xerox, a fotocopiar o documento.
“Foi uma alentejana que trabalhava nos serviços que nos ajudou a entregar o dossier”, lembra Tomé, sem esquecer “algumas rivalidades entre rádios” que se viviam nesse período.
“A Rádio Imagem (Serpa) e a Rádio Lagoa estavam muito implantadas e tinham muita aceitação. Curiosamente tratavam-nos com sobranceria e subestimavam-nos. A verdade é que não conseguiram legalizar-se”, observa.
A notícia da legalização chegou cedo, ainda antes do Verão. Tomé admite que consideraram natural e relembra que essa luz verde “trouxe atrás uma série de coisas que obrigou a rádio a fazer um empréstimo bancário por leasing no valor de milhares de contos”.
“Era preciso para comprar o equipamento que constava no projecto de legalização”, explica.
Tomé não dúvida que toda a equipa directiva da CORTIÇOL, proprietária da rádio, “ganhou confiança” a partir desse momento e, até hoje, “o projecto cresceu como uma bola de neve”. Perante uma realidade tão diferente, aquele que é o responsável técnico da estação não tem preconceitos em afirmar que a Castrense “ainda não desempenha o papel que esperava”, embora vinque que aceita e gosta daquilo que se faz.
No fundo, o que José Tomé defende é uma rádio “mais ligada às coisas de Castro”, seja as pessoas, as instituições ou as actividades económicas.
“Sem prejuízo da direcção global que hoje tem, penso que deveria ter uma componente mais virada para as coisas do concelho”, acentua, defendendo a emissão de um retrato “mais aturado da vida real e das dificuldades”, em detrimento de tanta atenção dada a determinadas matérias.
Director da área técnica da rádio, José Tomé julga que este sector “está à altura de corresponder às exigências actuais”, mas reconhece que talvez fosse importante reforçar a potência da emissão, “para fazê-la chegar com muito mais qualidade a casa das pessoas”.
Este projecto está dependente do ICP, que recentemente deu luz verde ao surgimento de novas estações em Ourique, Aljustrel e Mértola. Uma nova realidade que não preocupa o “criador” da Rádio Castrense. “A única forma de reagir é fazer melhor e ir ao encontro das pessoas com qualidade. Temos alguma vantagem porque já cá estamos, criámos o nosso espaço e esse é um percurso que os outros terão que fazer”, refere.
 
Janeiro 2002

1 comentários:

António V. Marques disse...

Sendo a rádio castrense uma rádio produtora de uma riqueza cultural ilimitada, e para o enriquecimento e reforço da nossa culrura, merece não só de todos os Castrenses, mas de todos os portugueses, o apoio para o seu desenvolvimento, tornando possivel ser ouvida por todos os portugueses, partilhando assim usos e costumes de uma riqueza sem igual

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